Queda da pobreza no Brasil tem sido parcialmente revertida

 

Poder 360, 12 de maio de 2019

De 2003 a 2014, nível de pobreza teve queda. Mas parte da melhora acabou sendo desfeita. Conjuntura macroeconômica é o motivo. Impacto negativo poderia ter sido até pior

Ao longo de meus últimos 15 anos trabalhando em instituições multilaterais, inúmeras vezes pelo mundo afora me pediam para falar sobre o sucesso de redução da pobreza no Brasil durante o novo milênio. Na semana passada, alguém que estava em uma de tais ocasiões, em outubro de 2013 em Nairóbi, me perguntou como haviam ficado meus números depois desses anos recentes de precário desempenho macroeconômico e elevado desemprego no país. Respondi que mudaram… em parte!

Com efeito, chamava a atenção do mundo na época o fato de que, mesmo não exibindo crescimento chinês, o percentual de famílias brasileiras vivendo abaixo da linha de pobreza caiu consideravelmente ao longo do período de 2003 a 2015, com a proporção de famílias com renda diária menor que US$ 5,50 descendo em 24 pontos percentuais, de 41,7% para abaixo de 18%. O número de famílias em pobreza extrema, com renda abaixo de US$ 1,90 ao dia, diminuiu de acima de 20 milhões em 2003 para 5,6 milhões em 2014 (veja gráfico mais abaixo).

O desempenho brasileiro em outros indicadores sociais no mesmo período também foi na mesma direção de melhora. A taxa de desemprego desceu de patamares acima de 12% em 2003 para 4,3% em dezembro de 2013. Indicadores de habitação e escolaridade também evoluíram favoravelmente.

A profunda recessão iniciada na segunda metade de 2014, seguida de lenta recuperação e permanência de desemprego elevado, vem cobrando seu preço. Segundo relatório divulgado no início do mês passado pelo escritório do economista chefe para a América Latina e Caribe do Banco Mundial, cerca de 7,3 milhões de brasileiros – 3 pontos percentuais da população – tinham retornado em 2017 para níveis abaixo dos US$ 5,50 diários.

A pergunta implícita de meu interlocutor dizia respeito a minha narrativa quanto ao resgate de pessoas da pobreza no país, ou seja, em que medida meus números refletiam a conjuntura extremamente favorável de então e seriam, portanto, reversíveis. O relatório do Banco Mundial acima citado me ajudou na resposta a essa questão, por apresentar para a América Latina e o Caribe, incluindo o Brasil, um exercício de separação entre fatores transitórios – associados aos ciclos econômicos – e outros de caráter mais estrutural, mais persistentes ou permanentes.

A região como um todo está entre as partes do mundo que mais exibem sucessão de altos e baixos na conjuntura econômica e elevada sensibilidade de indicadores sociais a tais flutuações cíclicas. Isso aparece principalmente nas taxas de desemprego, enquanto os índices associados a necessidades básicas – habitação, educação etc. – se movem de maneira mais persistente, acompanhando a tendência de crescimento econômico. Por seu turno, a pobreza monetária – renda abaixo de US$ 5,50 ao dia – embora dependa na região mais da conjuntura que em outras áreas em desenvolvimento do mundo, responde tanto a choques temporários – favoráveis ou desfavoráveis – quanto a fatores estruturais.

A economia brasileira atravessou, começando em 2003, uma longa fase de expansão de um ciclo econômico propelido pela alta de preços internacionais de commodities, por condições externas e domésticas de crédito favoráveis e por elevação forte do consumo doméstico. A tendência de crescimento se manteve baixa, por motivos estruturais que abordamos aqui. A sobrevida da fase expansiva foi estendida no primeiro governo de Dilma Rousseff, mas não sem consequências em termos de um aumento substancial no endividamento público e privado sem contrapartida na revitalização do crescimento econômico.

Segundo as estimativas do trabalho do Banco Mundial, mais da metade da redução da pobreza monetária no Brasil entre 2003 e 2014 se explica por aqueles fatores cíclicos, enquanto 13% seriam explicáveis pela (baixa) tendência estrutural de crescimento e um terço por políticas ativas de redistribuição de renda.

Como resposta a meu interlocutor, portanto, cabe notar que parte da exuberante queda nos níveis de pobreza no Brasil entre 2003 e 2014 tem sido revertida pela conjuntura macroeconômica desfavorável desde então, desfazendo cerca de 12,5% do movimento de melhora (3 dos 24 pontos percentuais). Levando-se em conta o mergulho da renda per capita e o peso dos fatores cíclicos no Brasil, o impacto negativo poderia ter sido bem pior.

Também vale frisar a importância de reformas estruturais que elevem a tendência de crescimento caso se queira reduzir de maneira persistente a pobreza no país. Finalmente, no ajustamento fiscal em curso, cumpre salvaguardar e aprimorar os mecanismos existentes de proteção social – tais como o Bolsa-família – cujo papel no combate à pobreza mostrou-se particularmente relevante na absorção de choques em momentos de baixa na conjuntura.

Otaviano Canuto

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