O Brasil precisa construir paredes fiscais para sustentar o teto dos gastos

 

País não pode ficar sem reformas. Otimismo do mercado pode descer

OTAVIANO CANUTO
PODER 360 – 02.fev.2019 (sábado)

A julgar pelos mercados financeiros, a economia brasileira iniciou o ano em alta velocidade. O real está entre as moedas de maior apreciação no mundo 33até agora em 2019 e o principal índice do mercado de ações, o Ibovespa, atingiu uma série de recordes até a semana passada, quando quebrou a marca de 97.000 pontos. As taxas de juros futuras caíram acentuadamente.

Os investidores estrangeiros estão na onda. O prêmio exigido como compensação pelo risco inerente à compra de títulos brasileiros, conforme refletido nas taxas de CDS (Credit Default Swaps), caiu para cerca de 180 pontos básicos, faixa próxima à de países emergentes detentores do selo de grau de investimento, depois de ter estado acima de 310 pontos em setembro.

O novo ministro da economia do Brasil, Paulo Guedes, está no centro do otimismo dos mercados. Começando com seu discurso inaugural, as prioridades por ele anunciadas têm sido música para os ouvidos dos investidores financeiros. Referiu-se à necessidade de “paredes” fiscais para sustentar o teto de gastos públicos a vigorar por 20 anos, estabelecido por emenda constitucional aprovada pelo Congresso em 2016.

Tais paredes consistiriam em uma revisão do gasto público, incluindo reforma previdenciária significativa, privatizações –como fonte de renda extraordinária e de focalização de estatais em suas principais missões–, a simplificação do regime tributário e, em termos mais amplos, uma melhoria do ambiente de negócios do Brasil.

No entanto, existem 2 grandes “desde que”. O atual otimismo com os ativos financeiros se baseia na confiança de que o governo como um todo e o Congresso avançarão no caminho do ajuste fiscal. Os atuais preços de ativos financeiros já refletem tal crença, mas podemos ver altas adicionais à medida que aqueles passos sejam efetivamente tomados. Contudo, caso as medidas tomadas sejam consideradas fracas, a confiança pode se dissipar e derrubar preços dos ativos.

O segundo “desde que” tem a ver com a economia real, onde estão o investimento privado, o crescimento da renda e, com certa defasagem temporal, a criação de empregos. Há atualmente um grande contraste entre o andar de cima onde estão os preços dos ativos financeiros e o piso térreo da economia real.

Embora a agricultura esteja em curso de produzir uma 3ª supersafra consecutiva e a mineração tenha mantido razoável estabilidade desde o fim da recessão, a indústria manufatureira tem cambaleado e a construção vem mostrando desempenho desfavorável desde 2016.

Isso se reflete no mercado de trabalho. Priscilla Burity, em um recente relatório do BTGPactual, mostrou como tal mercado atravessou um caminho ainda mais difícil do que aquele sugerido quando se olha apenas para taxas agregadas de desemprego. Nas grandes cidades, as taxas de desemprego são mais altas do que as nacionais e não diminuíram desde o fim da recessão.

O percentual de trabalhadores desalentados fora da força de trabalho está próximo de recordes e a subutilização de mão-de-obra aumentou desde o primeiro trimestre de 2017. Mesmo quando se supõe um crescimento anual do PIB de 2,5%, não se espera taxas de desemprego de um dígito antes de 2021. Uma melhora de condições no mercado de trabalho será necessária para sustentar um ciclo virtuoso de crédito e maiores gastos privados.

No início do ano passado, as condições pareciam robustas o suficiente para uma aceleração do crescimento econômico. Os níveis de endividamento para famílias e empresas haviam caído significativamente no período anterior, as taxas de juros estavam baixas e a capacidade e disposição dos bancos privados de emprestar dinheiro estava lá.

No entanto, o desempenho efetivo do PIB decepcionou. A confiança empresarial nunca alcançou níveis altos o suficiente para levantar investimentos e, em um ano eleitoral marcado pela polarização política, com paralisia da reforma previdenciária, o setor privado adotou uma atitude de esperar para ver.

Agora, o ponto de partida é novamente de maior confiança em um ajuste fiscal, enquanto o cenário geral ainda é de menores níveis de endividamento das famílias e empresas, baixas taxas de juros, condições financeiras mais favoráveis e capacidade ociosa, inclusive no mercado de trabalho. As previsões de crescimento estão na faixa de 2,5% a 3,0% para 2019-2020, embutindo expectativas de se materializar algum ciclo virtuoso entre novos créditos, maiores gastos empresariais e consumidores mais ativos que mais que compense o efeito do aperto fiscal.

Abre-se uma disjuntiva para 2019. Ou a confiança na construção das paredes fiscais é validada por resultados concretos e o otimismo do mercado financeiro se transmite à economia real, ou sobem os riscos de queda de preços de ativos e compartilhamento do piso. O cenário global parece mais carregado de riscos que nos anos anteriores. Dada a paisagem atual, é melhor começar logo a construir tais paredes!

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