Tarifas de Trump diminuíram o emprego manufatureiro dos EUA, analisa Otaviano

 

Poder 360, 04 de janeiro de 2020

FED estudou impacto de ações. País mais perdeu que ganhou. Indústria foi a maior vítima

O aumento de tarifas imposto pelos Estados Unidos contra seus principais parceiros comerciais a partir do início de 2018 não teve precedentes comparáveis na história recente. Presidente Trump aludiu a, entre outros, o  objetivo de revitalizar empregos na indústria manufatureira do país mediante sua proteção perante práticas comerciais desleais de outros países, particularmente a China. Só que, de acordo com estudo do FED (Federal Reserve Bank), o banco central dos EUA, divulgado em 23 de dezembro passado, o efeito até aqui foi justamente o oposto, ou seja, redução no emprego manufatureiro!

A escalada de tarifas –e de retaliações pelos atingidos– a partir de 2018 se deu em 3 etapas. Em fevereiro daquele ano, sobretaxas foram aplicadas sobre a importação de máquinas de lavar e painéis solares, seguidas em março de outras afetando compras de aço e alumínio. China, União Europeia, Canadá e México responderam com retaliações sobre exportações dos EUA. Um terceiro momento veio com a sequência de tarifas sobre importações da China anunciadas a partir de abril, acompanhadas sempre por reações retaliatórias chinesas contra exportações norte-americanas.

Para além das referências do governo Trump a questões de segurança e de redução do deficit comercial dos EUA, com ênfase nos casos de deficits bilaterais, a retomada do emprego manufatureiro despontou como promessa já desde o processo eleitoral. As tarifas ensejariam a oportunidade para processos locais de produção tomarem fatias de mercado ocupadas por concorrentes externos. Preços mais altos dos produtos, quer importados ou fornecidos localmente, seriam compensados por aumentos nos níveis de emprego manufatureiro.

Contudo, há que se levar em conta também outros 2 impactos das tarifas. A imposição de tarifas sobre insumos e produtos intermediários leva a aumentos de custos para quem os utiliza, prejudicando sua competitividade doméstica e externamente. Além disso, as retaliações também afetam a capacidade de competir da produção doméstica nos correspondentes mercados no exterior.

Pois bem. Um estudo elaborado por 2 técnicos do FED, Aaron Flaaen e Justin Pierce, estimou de modo setorialmente detalhado qual foi o peso desses efeitos, ou seja, o ganho de fatias de mercado locais contra o ônus da elevação dos custos intermediários e das perdas no exterior. Chegou a números mostrando que o ônus sobrepujou os ganhos, com a contribuição positiva sobre o emprego ensejada pela proteção tarifária sendo mais que negativamente compensada pelos impactos derivados dos incrementos de custos com insumos e das retaliações. Além disso, provocou elevação nos níveis de preços no atacado nos EUA.

As características da produção industrial como cadeias de valor integrando atividades fragmentadas e geograficamente dispersas, particularmente desde os anos 1980, explicam porque tarifas sobre segmentos específicos acabam afetando negativamente um conjunto bem mais amplo de atividades econômicas. Adicionalmente, tendem a frustrar tarifas estabelecidas especificamente sobre países de origem, de modo bilateral: por exemplo, boa parte da produção chinesa se deslocou para Vietnam, Tailândia e outros países, e não para os EUA.

Seria temporário o efeito negativo, ocorrendo enquanto a produção local não se ajusta ao novo contexto via novos investimentos? Cabe observar que a adaptação também pode reforçar os lados de impacto negativo sobre empregos.

A análise pelos técnicos do FED dos efeitos da escalada tarifária nem chegou a contemplar os efeitos indiretos negativos mais amplos, ou seja, o efeito depressivo sobre investimentos manufatureiros e o crescimento econômico nos EUA e fora destes gerado pela incerteza quanto a políticas comerciais, atingindo em cheio as indústrias de equipamentos e o comércio mundial. Tal impacto sobre investimentos foi um dos grandes responsáveis pelo crescimento econômico global em 2019 ter sido o mais baixo desde a crise financeira global.

O desempenho do PIB e do nível de emprego nos EUA se manteve favorável por outros motivos, quais sejam, o impulso fiscal propiciado pela reforma tributária do início do governo Trump, a virada de rumo na política monetária e o dinamismo do consumo doméstico e dos serviços. Teria sido outro o cenário se tivesse dependido da indústria manufatureira e da política comercial do governo Trump.

Para finalizar, vale lembrar o erro de se achar ser possível encolher o deficit em conta corrente dos EUA via medidas comerciais sobre países com quem tenha saldos bilaterais negativos. O deficit em conta corrente reflete a diferença entre a “absorção” (consumo e investimento) doméstica e a produção local. Na ausência de milagrosos aumentos desta segunda, a redução do deficit corrente só ocorreria com recessão e queda de salários domésticos, justamente o oposto da promessa.

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor-executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no ministério da fazenda e professor da USP e da Unicamp. Escreve para o Poder360 mensalmente

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