Quão dependentes de commodities são as economias latino-americanas?

 

O fim da fase de ascensão no super-ciclo de preços de commodities após seu pico em 2011 levou a uma redução nas perspectivas de crescimento econômico na maior parte da América Latina. Por outro lado, o capítulo 3 do último IMF Western Hemisphere Regional Economic Outlook chamou atenção para significativas diferenças entre os países da região. Os impactos da evolução dos preços das commodities sobre o crescimento economico têm variado substancialmente entre os países, não apenas em decorrência dos produtos apresentarem trajetórias de preços particulares, mas também porque os países apresentam diferentes graus de exposição e perfis diferenciados de especialização em commodities.

Os super-ciclos variam conforme as commodities

A Figura 1 mostra os três grandes grupos de preços de commodities seguindo um caminho cíclico comum global desde 2002. Após uma elevação sustentada até a crise financeira de 2008 e a recuperação posterior ao mergulho, em meados de 2011 se alcança o chamado “crepúsculo do super-ciclo “. Preços definitivamente deixaram de subir durante o período do platô (área sombreada) – IMF (2015, p.43) – e todos os três grupos se mudaram para níveis mais baixos a partir de meados de 2004.

No entanto, a Figura 1 também mostra aquela evolução ocorrendo com diferentes intensidades. Como destacávamos há dois anos – (Canuto, 2013) – a dinâmica de fundamentos em termos de tendências na oferta e na demanda relativas nos mercados de cada grupo eram então divergentes o suficiente para levar a diferenças de trajetórias como aquelas identificadas durante o período do platô. No caso do petróleo, a evolução da oferta foi o fator principal responsável pela queda brusca durante o segundo semestre de 2014 (Canuto, 2015). A diferenciação aparece de forma ainda mais gritante quando se examina os três grupos desagregadamente.

preços de commodities

Os impactos dos preços de commodities variam por países

Um exportador (importador) líquido de uma mercadoria usufrui de (sofre) um ganho (perda) caído(a)-do-céu quando seu preço aumenta. A extensão em que esse preço recue após o final da fase de ascensão determina quanto do ganho (perda) é reduzido(a) – e até mesmo eventualmente revertido(a). Portanto, os impactos do super-ciclo de preços de commodities específicos a cada país têm dependido de que mercadorias – e quanto de cada um deles – são exportadas e importadas.

IMF (2015, cap. 3) traz estimativas de índices de “termos de troca de commodities” específicos de cada país (CTOT em inglês) para a região. Esses são índices em que as variações de preços das commodities individuais são ponderadas de acordo com seu valor (líquido) de exportação e normalizadas pelo PIB. Um certo aumento (diminuição) em CTOT é, portanto, uma maneira de medir o ganho líquido (prejuízo) dos movimentos de preços de commodities em termos de PIB.

A Figura 2 apresenta mudanças cumulativas em índices CTOT desde seus níveis médios em 2002 até meados de 2011 (o crepúsculo do super-ciclo), agosto de 2014 (quando a queda repentina dos preços do petróleo começa) e fevereiro deste ano.

índices de termos de troca de commodities

Pelo menos quatro aspectos se destacam:

1. Como se pode ver no eixo horizontal, com exceção do Uruguai, todos os países latino-americanos ali incluídos tiveram ganhos no PIB durante a fase de ascensão. Essa fase do ciclo constituiu-se em uma potencial bênção econômica para a maior parte da América Latina.

2. Cestas das exportações e importações de commodities determinaram quanto desse ganho foi mantido durante o período de platô (quadrados vermelhos) e depois (diamantes azuis). Isto se segue das diferentes composições de especialização em commodities entre metais, alimentos e petróleo e suas divergentes trajetórias de preços ao longo do tempo.

3. Os preços das commodities não caíram, em geral, para níveis inferiores aos de 2002 e, portanto, os ganhos caídos-do-céu acumulados anteriormente não foram completamente revertidos. No entanto, esses ganhos foram acumulados em níveis do PIB passados e correntes, enquanto a contribuição dos choques de preços de commodities para taxas de crescimento do PIB tornou-se negativa após o pico de preços.

Choques positivos de preços de commodities têm efeitos multiplicadores-aceleradores para além das mudanças na CTOT. Desde que sejam vistos como permanentes ou pelo menos prolongados, desencadeam investimentos em setores e atividades que deles se beneficiem direta ou indiretamente. Ambos os PIBs potencial e real crescem em comparação com a ausência de tais choques. Aumentos amplos de preços de ativos locais e ingressos de capital também podem se seguir. No entanto, uma vez tais choques positivos de preços parem de ocorrer e os correspondentes efeitos multiplicadores-aceleradores finalizem seu curso, haverá uma desaceleração do crescimento do produto, mesmo que os preços permaneçam altos.

4. Magnitudes em termos de PIB dos ganhos nos termos de comércio e sua parcial reversão posterior ao longo do ciclo variaram substancialmente entre os países. Impactos de primeira ordem, conforme medidos na Figura 2, não contam toda a história das implicações de ciclos de preços de commodities para a economia de um país. Efeitos de segunda ordem – como os investimentos acima mencionados, os ciclos de preços de ativos, fluxos de capital e outros -dependem de características setoriais e específicas de cada país, além das mudanças nos CTOT. A natureza das políticas economicas que acompanham os choques de preços pode também ampliar – positiva ou negativamente – os impactos dos movimentos nos CTOT. Contudo, mesmo tendo em conta estes factores, as discrepâncias na relevância quantitativa do super-ciclo de preços de commodities continuam a parecer muito significativas entre, digamos, Venezuela e Chile, por um lado, e Brasil, México e Paraguai do outro.

Tomemos o caso do Brasil. É verdade que altos e baixos nas economias dos vizinhos mais ciclicamente afetados por preços das commodities também pesaram sobre seu desempenho, como consequência de sua relevância como mercados para os produtos manufaturados brasileiros. No entanto, nos parece difícil afirmar que a evolução recente e as perspectivas macroeconômicas do Brasil possam ser predominantemente explicadas pelo super-ciclo de preços de commodities.

* Texto adaptado de minha apresentação no “Workshop on Commodity Super Cycles”, organizado conjuntamente pelo Banco do Canadá e o Federal Reserve Bank de Dallas. O Workshop foi realizado em Ottawa, na sede do Banco do Canadá, em 27-28 de abril 2015.

Publicado originalmente por Huff Post Brasil

 

Get the latest articles directly into your mail box!

You can choose to receive the latest articles either in English, Portuguese or both. Please note:  the confirmation email you will receive may arrive in your Spam or Promotion folder.

Lists*

Loading
Facebook
Twitter
LinkedIn