O que esperar da política econômica de Donald Trump?

 

Os ativos financeiros americanos reagiram como uma brusca “gangorra” à vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas. Os índices acionários globais desabaram logo após o anúncio do resultado, recuperando-se, porém, rapidamente, à medida em que os investidores desenvolveram uma certa visão acerca da política econômica a ser provavelmente implementada pelo presidente eleito. Os mercados financeiros parecem ter precificado expectativas de maior crescimento e de maior inflação, acompanhada por um aperto monetário mais rápido nos Estados Unidos–aumento das baixíssimas taxas de juros e/ou venda dos US$ 4,4 trilhões de títulos do Tesouro que estão no balanço do Banco Central dos EUA.

Ondas de choque atingiram os mercados internacionais, causando uma rotação dos investimentos dos mercados de renda fixa para os acionários. Enquanto o valor global das ações ganhou cerca de US$ 1 trilhão na semana passada, o mercado de títulos perdeu ao redor de US$ 1,2 trilhão, de acordo com a Bloomberg. No entanto, os mercados emergentes sofreram com fugas de capital, depreciações de suas moedas e perdas em ambos os mercados, acionários e de renda fixa, em antecipação às potenciais condições monetárias mais apertadas e a uma eventual “escalada tarifária”.

Reaganomics 2.0?

Três componentes da plataforma de Trump estariam subjacentes a aquela narrativa: um grande impulso nos gastos de infraestrutura, cortes de impostos para empresas e uma agenda de desregulamentações (financeira e empresarial). Alguns analistas têm sugerido que tal pauta econômica poderia estar inspirada no “Reaganomics”–expressão referente à política econômica adotada pelo presidente Ronald Reagan (1981-89). O período Reagan apresentou maiores taxas médias de crescimento anual do PIB (3,1%) do que os 2,4% dos anos anteriores de Ford-Carter (1974-81) e dos 2,0% dos anos posteriores de Bush-Clinton (1989-95).

Além disso, a mediana da renda real familiar e a produtividade também cresceram mais rápido durante o “Reaganomics” do que nos outros dois períodos adjacentes mencionados. A estagnação da mediana da renda real familiar (Gráfico 1), o baixo desempenho da produtividade (Gráfico 2) e a perda de competitividade industrial foram reconhecidos como fatores relevantes que teriam alimentado o ódio contra o “establishment”. Essa insatisfação foi explorada eleitoralmente com sucesso por Mr. Trump. Assim, retornar ao desempenho dos anos de Reagan poderia dar significado a uma das manchetes mais famosas da campanha vitoriosa: “Make America Great Again!”

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A questão central é se tal revitalização de políticas econômicas em conjunturas tão diferentes poderia de fato produzir resultados semelhantes. Ficou claro que os níveis locais de desigualdade de renda e certos aspectos demográficos–maior parcela de idosos, níveis mais baixos de educação universitária, população branca não-hispânica nascida nos EUA–aumentaram o voto de apoio ao presidente eleito Trump. Portanto, o relançamento do “Reaganomics” ajudaria a dar uma resposta ao mencionado descontentamento contra o “establishment”?

Há diferenças importantes entre as conjunturas macroeconômicas herdadas por Reagan e Trump. Em primeiro lugar, enquanto o presidente Reagan começara seu mandato com uma razão da dívida pública federal bruta em relação ao PIB próxima de 30%, o presidente eleito Trump começará com níveis acima de 100%.

Trump comprometeu-se em aumentar os gastos com infraestrutura em até US$ 550 bilhões nos próximos quatro anos. O Fundo Monetário Internacional, bem como economistas proeminentes (a exemplo de Lawrence Summers), têm defendido uma maior criação de empregos por meio de estímulos adicionais à demanda de curto prazo. Conforme sugerido por diferentes experiências ao redor do mundo, inclusive nos Estados Unidos, aumentos súbitos nos investimentos públicos não são facilmente implementáveis. Deste modo, serão necessários mais detalhes sobre como este plano sairá do papel; por exemplo, seria por meio de parcerias público-privadas ou de investimentos públicos diretos, ou ainda de subsídios para concessões privadas? De qualquer maneira, o aumento dos investimentos em infraestrutura tomará algum tempo para ser anunciado e implementado. Seus respectivos efeitos serão sentidos com defasagem, tanto do lado da demanda, quanto do lado da oferta.

Paralelamente, os cortes de impostos corporativos e/ou pessoais, bem como o aumento das despesas com defesa, poderão elevar os déficits públicos. Isso contrasta com as recomendações do FMI, além de outros economistas, em favor do afrouxamento fiscal no curto prazo em troca da retirada parcial de estímulos monetários, desde que sejam anunciadas reformas para a consolidação fiscal de médio prazo. Em outras palavras, uma âncora crível de mais longo prazo seria bem-vinda para atenuar possíveis incertezas fiscais, assegurando uma trajetória declinante da relação dívida/PIB. O país enfrenta desafios de médio prazo–incluindo o envelhecimento demográfico–que exigem cautela em relação a futuros déficits fiscais, situação semelhante a diversos países.

O FMI tem defendido, entre outros, a necessidade da implementação de reformas estruturais para estimular o crescimento de longo prazo. A modernização da infraestrutura do país está dentro dessa agenda estrutural. Outras recomendações são, por exemplo, o fortalecimento da rede de proteção das famílias de baixa renda, o estabelecimento de um salário mínimo federal mais elevado, a promoção de maior participação no mercado de trabalho, o fortalecimento do sistema educacional e a promoção do comércio internacional. Algumas dessas reformas do lado da oferta parecem não pertencer ao “Reaganomics”.

De fato, as reduções de impostos corporativos podem simplesmente aumentar a lucratividade das empresas–razão adicional para a euforia do mercado acionário–, sem uma contrapartida significativa no aumento dos investimentos, já que as empresas americanas já estão abarrotadas de caixa disponível para tal. Não está claro, neste estágio, se as desregulamentações financeira e empresarial podem mudar significativamente as estruturas de mercado e os retornos potenciais sobre os ativos fixos, na forma como ocorreu durante os anos da presidência Reagan.

Supondo-se que essas políticas consigam, de fato, impulsionar a demanda agregada doméstica, há ainda outras diferenças importantes em relação aos anos Reagan. Enquanto Reagan começou seu mandato com altas taxas de desemprego e taxa de juros básicos tão alta quanto 19%, Trump herdará uma economia que está quase em pleno emprego e taxa de juros básicos perto de 0,5% (Gráfico 3). Enquanto o “Reaganomics” pôde se beneficiar da queda dos juros e da folga no mercado de trabalho, o baixo desemprego e a incerteza quanto à intensidade do ajuste nos preços dos ativos durante uma eventual transição rápida de políticas não-convencionais podem exacerbar incertezas, inclusive quanto à trajetória de inflação futura. Nesse cenário, a curva de juros soberanos poderia empinar ainda mais, refletindo fatores para além de uma inflação implícita mais elevada. Isso, por sua vez, certamente teria amplas implicações para as economias nacional e internacional.

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Comércio e contágio global: aqui é onde o diabo mora

É no comércio, no entanto, que as diferenças são ainda mais profundas. O presidente eleito Trump defendeu, durante a campanha eleitoral, políticas comerciais que se distanciam da tradição americana de liberalização (Canuto, 2016). Riscos negativos poderiam se materializar, caso o impulso fiscal seja eficaz para dinamizar a absorção doméstica, porém acompanhado de sensível aumento nas importações e sem um sinal imediato claro na renda dos grupos que votaram pelo próximo presidente dos EUA.

Qualquer ruptura abrupta nas cadeias globais de valor poderia prejudicar o setor corporativo doméstico, bem como o internacional. Além disso, um choque protecionista alimentaria a inflação, na medida em que constitui um choque de oferta negativo, o que reduziria, por sua vez, a rentabilidade das empresas. Uma guerra comercial protecionista poderia descarrilhar a frágil recuperação econômica mundial (Canuto, 2016).

As melhores práticas internacionais sugerem que políticas de treinamento e reforço nas redes de segurança social são recomendáveis para tais situações–ao invés de se culpar o comércio internacional. Como em outras economias avançadas, a parcela de renda dos trabalhadores nos EUA vem apresentando um declínio secular, devido à combinação de diversos fatores–incluindo os tecnológicos–que se acentuaram nos anos 2000 (FMI, 2016). Uma corrida ao protecionismo não vai ajudar a solucionar essa tendência.

Adicionalmente, uma política pró-imigração ajudaria os EUA, no médio prazo, a lidar com as consequências do envelhecimento de sua população. A meta de crescimento do PIB de Mr. Trump, anunciada em campanha, foi de 4%, enquanto o FMI prevê um crescimento potencial perto de 2%. No curto prazo, algumas políticas poderiam estimular uma maior participação no mercado de trabalho, aliviando algumas das pressões vindas do mercado de trabalho mais apertado. No entanto, “a demografia é um vento imutável”, como foi apontado pelo FMI. Além disso, como o ex-Presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan, apontou em diversas ocasiões, a imigração tem sido um instrumento importante para expandir a oferta de trabalhadores qualificados. Ainda que os volumes de vistos H1 tenham permanecido pequenos diante da onda de aposentadoria dos “baby-boomers qualificados”, a imigração tem tido impactos econômicos positivos. Mesmo que suavizada após a eleição, a atitude restritiva do presidente eleito Trump em relação à imigração não ajudará nessa área.

Os efeitos colaterais negativos à economia global, originados pelo simples realinhamento da curva americana de juros, agora mais elevada e mais íngreme, bem como seus efeitos retroativos na própria economia americana, não devem ser imediatamente descartados. O excesso de dívida acumulada já é uma importante fonte de vulnerabilidade à recuperação global. O FMI sugeriu que os riscos financeiros de curto prazo diminuíram nos últimos meses até outubro, porém ainda prevê o acúmulo de vulnerabilidades como tendência no médio prazo. A alavancagem das empresas nos mercados emergentes, a dívida das famílias em várias economias avançadas e as dívidas soberanas em geral permanecem em patamares elevados em comparação aos níveis históricos.

Do lado dos mercados emergentes, o fato de que os bancos centrais tiveram que intervir pesadamente nos mercados de câmbio na semana passada pode ser um prenúncio de que maiores ajustes de portfolio virão à frente. De acordo com o HSBC, o “sell-off” dos mercados emergentes foi mais intenso do que no começo do “taper tantrum”, em 2013.

Finalmente, a necessidade de coordenação global das políticas fiscais e monetárias tem sido repetidamente sublinhada pelas instituições multilaterais, incluindo uma estratégia de comunicação cuidadosa pelos vários bancos centrais, dadas as políticas não-convencionais em vigor. Uma política norte-americana mais orientada para dentro pode adicionar riscos importantes, gerando consequências não intencionais ao longo do caminho.

Moral da história

Os mercados financeiros parecem acreditar que o presidente eleito Trump pode trazer maior crescimento e inflação, conforme manifestado na rotação dos portfolios dos mercados de títulos e acionários. Ao mesmo tempo, as ondas de choque já sentidas pelos ativos no exterior pode ser um prenúncio de uma jornada instável à frente. Não é de admirar que Trump tenha suavizado suas declarações–e suas promessas de campanha–após a eleição, o que foi recebido com suspiros de alívio.

Originalmente publicado por HuffPost Brasil

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