‘Reformas não vão ser remédio amargo para os mais pobres’, diz brasileiro diretor-executivo do Banco Mundial

 

Reformas não vão ser remédio amargo para os mais pobres’, diz brasileiro diretor-executivo do Banco Mundial

CanutoDireito de imagem CYNTHIA VANZELLA / BRAZIL FORUM 2017
Image caption – “O remédio não vai ser mais amargo para eles (pobres). Eles já sentem o gosto amargo hoje. O da realidade”, disse Canuto

O sergipano Otaviano Canuto é um dos mais prestigiados economistas brasileiros baseados no exterior. Há mais de uma década, vive fora do país, revezando-se em posições de destaque em organismos como o Banco Mundial, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Bird (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Canuto, porém, acompanha de perto os meandros econômicos nacionais. Desde julho do ano passado, ele é diretor-executivo do Banco Mundial para o Brasil e outros oito países (Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trindade e Tobago).

Em entrevista à BBC Brasil, ele defendeu as reformas do governo de Michel Temer, disse que os pobres não sairão prejudicados e criticou os governos petistas por não tê-las feito “no tempo das vacas gordas”.

“As reformas deveriam ter sido feitas no tempo das vacas gordas, e não no momento de vacas magras. Mas não há alternativa. É o que temos”, afirmou ele em Oxford, na Inglaterra, onde participou do Brazil Forum UK 2017, fórum organizado por estudantes e acadêmicos brasileiros no Reino Unido.

“O remédio não vai ser mais amargo para eles (pobres). Eles já sentem o gosto amargo hoje. O da realidade. A melhor coisa que a gente pode fazer é oferecer uma perspectiva de retomada da economia”, complementou.

Para Canuto, a gestão PT “curtiu a festa da bonança econômica e só voltou a falar e pensar em reformas estruturais quando o Brasil estava no meio da crise. Não anteviu que o período de prosperidade fácil chegaria ao fim”, acrescentou.

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil – Como o sr. avalia o atual momento da economia brasileira?

Otaviano Canuto – É um momento de convalescência, depois de um período de crise econômica profunda. Como todo período de convalescência, há sinais de recuperação, mas eles são muito lentos. Esses sinais precisam ser reforçados com políticas econômicas que fortaleçam a saúde do paciente. Vamos precisar aprovar reformas que estão no Congresso. Essas reformas não implicam na cura da doença, mas são importantes para retomar a trajetória de crescimento da economia brasileira.

CongressoDireito de imagem AGÊNCIA BRASIL
Image caption – Canuto afirma que reformas são necessárias e que pobres não serão prejudicados por elas

BBC Brasil – Mas há muitas críticas quanto à aprovação dessas reformas…

Canuto – Sou definitivamente um defensor das reformas do governo Temer. Elas poderiam ser melhores? Sempre. Mas é o que temos. Não há alternativa.

BBC Brasil – E de que forma poderiam ser melhores?

Canuto – Seriam melhores se tivessem sido feitas na fase de bonança da economia brasileira. Sei que é difícil, mas o melhor momento para fazê-las teria sido no tempo das vacas gordas, não no momento que elas estão magras.

BBC Brasil – E por que o sr. acredita que as reformas não foram feitas?

Canuto – Por erro. O país se inebriou pela expansão econômica, com bons resultados sociais, durante o novo milênio (anos 2000, com a explosão das commodities). No início do governo Lula (em 2003, Canuto foi secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda), houve maior foco em reformas estruturais. Mas infelizmente esse foco foi abandonado. Passamos muito tempo curtindo a festa da bonança econômica e só voltamos a falar e pensar em reformas estruturais quando estávamos no meio da crise. Houve um erro de não se antever que o período de prosperidade fácil chegaria ao fim.

Michel TemerDireito de imagemAFP
Image caption – Para Canuto, plano econômico do governo de Temer “está no caminho certo”

BBC Brasil – Esse, em sua avaliação, foi o principal erro da gestão PT?

Canuto – Sim.

BBC Brasil – A ex-presidente Dilma Rousseff costumava culpar a crise internacional pelos problemas da economia brasileira. Ela estava certa?

Canuto: A evolução da economia brasileira não pode ser vista de forma maniqueísta, como se tivesse sido culpa exclusivamente do governo de plantão ou toda de fora. São como as lâminas de uma tesoura. Uma tesoura não corta só com uma lâmina. A tesoura que explica a queda de perspectiva de crescimento da economia brasileira tem uma lâmina externa e uma lâmina interna. A lâmina interna foi justamente a ausência de reformas estruturais que permitissem uma trajetória mais favorável na produtividade. Do lado externo, a mudança do cenário internacional retirou o fôlego que ajudou a prosperidade do início do milênio. Os dois argumentos estão certos. Mas, inegavelmente, houve uma resposta equivocada do governo, que aprofundou ainda mais a crise. Embora Dilma quisesse mudar a natureza do ciclo econômico, para torná-lo mais dependente dos investimentos e menos do consumo, o que ela fez foi rodar a máquina do ciclo de crédito, via dívida pública. Isso só levou à deterioração fiscal.

BBC Brasil – Como o sr. analisa a política econômica do governo Temer?

Canuto – Definitivamente, estamos no caminho certo.

BBC Brasil – Mas como explicar a um país com 14 milhões de desempregados, especialmente os mais pobres, que o ajuste fiscal é necessário?

Canuto – Os efeitos mais fortes sobre os mais pobres são resultado da desaceleração da economia e não da política econômica do governo atual. Aliás, se a política econômica obtiver sucesso em retomar o crescimento, os maiores beneficiários serão os mais pobres. Não considero que o desenho das reformas os prejudique. O remédio não vai ser mais amargo para eles. Eles já sentem o gosto amargo hoje. O da realidade. A melhor coisa que a gente pode fazer é oferecer uma perspectiva de retomada da economia, com o aumento do emprego, por exemplo, via crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas produzidas pelo país). Nesse sentido, as reformas são movimentos nessa direção.