Os serviços podem substituir as manufaturas como mecanismo de desenvolvimento?

 

A indústria manufatureira cumpriu papel especial como veículo para a criação de empregos, aumentos de produtividade e crescimento nas economias não avançadas a partir de meados do século passado. Primeiro na América Latina, seguida pela Ásia e pela renovação dos sistemas de produção na Europa Oriental, a expansão dos níveis de produção manufatureira serviu como canal para transferir mão-de-obra de ocupações de baixa produtividade para atividades usando tecnologias mais modernas provenientes do exterior.

A facilidade de transferência através das fronteiras adquirida pelas tecnologias de fabricação, particularmente de segmentos intensivos em mão-de-obra na era recente de fragmentação da produção em cadeias de valor, tornou possível tal processo. Uma vez determinadas condições locais mínimas estivessem presentes, a convergência em direção aos níveis de produtividade nos países da fronteira na origem se dava relativamente mais rápida do que em outros setores.

Duas questões estão agora lançando dúvidas sobre as possibilidades de replicar ou aprofundar esse processo. Primeiro, a mesma natureza “descomprometida” da produção manufatureira também leva a sua alta sensibilidade em relação a pequenas mudanças nos fatores de competitividade, como custos trabalhistas, taxas reais de câmbio, ambiente de negócios, infraestrutura e outros. Ao longo do tempo, isso levou a ondas de relocalização e concentração espacial em países específicos do mundo em desenvolvimento para cada uma das camadas de sofisticação nas cadeias de valor. O gráfico 1 descreve a grande variação de experiências com o emprego e o valor agregado bruto na indústria entre os mercados emergentes.

Em segundo lugar, as mudanças tecnológicas atualmente em curso tendem a reduzir o peso dos custos do trabalho e ameaçam reverter a motivação inicial para a transferência de etapas da fabricação para economias não avançadas (Arbache, 2016) (Canuto, 2017). A experiência histórica recente de uso das exportações de manufaturados como plataforma para sustentar elevado ritmo de crescimento se tornará mais difícil de expandir, sustentar ou iniciar. No mínimo, pode-se dizer que requisitos em termos de infraestrutura, ambiente de negócios, disponibilidade local de trabalhadores qualificados e outros fatores de competitividade estão aumentando.

As atividades baseadas em recursos naturais oferecem oportunidades de atualização tecnológica, aumentos de produtividade, exportações e – volátil, mas positivo – crescimento econômico, mas não a criação maciça de empregos como na atividade fabril. Segue-se a questão sobre a possibilidade de serviços substituírem a manufatura em termos de quantidade e qualidade de criação de emprego nos países em desenvolvimento. As mudanças tecnológicas em curso levariam a uma maior transferibilidade das tecnologias de produção e comercialização dos serviços? Em que medida ter bases locais de produção manufatureira ainda importaria como condição prévia para a produção de serviços? Essas são algumas das questões abordadas por Hallward-Driemeier e Nayyar (2017).

Hallward-Driemeier e Nayyar chamam a atenção para o fato de que avanços nas tecnologias de informação e comunicação (TIC) tornaram alguns serviços – financeiros, de telecomunicações e de negócios – cada vez mais comercializáveis através das fronteiras. Esse processo viabilizou a difusão da tecnologia e a possibilidade de exportar em adição ao atendimento da demanda local.

Também destacam o alto potencial de economias de escala em serviços altamente impactados pelas TIC, especialmente porque os custos marginais incorridos pela adição de unidades à produção são muito baixos. A intensidade de P&D aumentou, podendo-se apontar como exemplo o caso das despesas com serviços empresariais, onde os gastos aumentaram de 6,7% em 1990-95 para níveis próximos de 17% em 2005-10.

Por um lado, como na atividade fabril, as oportunidades de aprendizado tecnológico local e de aumento da produtividade nas economias em desenvolvimento podem ser criadas pelo aumento das possibilidades de transferência de tecnologia e de comerciabilidade internacional. Por outro lado, ao contrário da fabricação intensiva em mão-de-obra, tais serviços não devem servir como fonte abundante de empregos para mão-de-obra não qualificada.

Os serviços de baixo custo que permanecem usuários de mão-de-obra não qualificada são menos propensos a criar oportunidades de ganhos de produtividade. Com exceções – os autores mencionam serviços de construção e turismo – há menos escopo no setor de serviços para produzir simultaneamente altos aumentos de produtividade e criação de emprego para mão-de-obra não qualificada, pelo menos em comparação com o desenvolvimento liderado por produção manufatureira nas décadas anteriores.

E quanto à conexão entre produção manufatureira e serviços? Além dos aumentos da demanda por serviços autônomos com alta elasticidade renda, quais são as perspectivas para a demanda por serviços acompanhando a atual transformação da manufatura? Em que medida a oferta e a demanda desses serviços relacionados à fabricação se beneficiam da presença local de bases manufatureiras?

Hallward-Driemeier e Nayyar chamam a atenção para a crescente “servicização” da fabricação, uma vez que a última está cada vez mais “incorporando” e “embutindo” serviços, enquanto a participação da fabricação de componentes e a montagem final no valor adicionado diminuem (Gráfico 2)

A relevância dos serviços incorporados em produtos manufaturados aumentou como insumos (design, marketing, custos de distribuição, etc.) ou facilitadores de comércio (serviços de logística ou plataformas de comércio eletrônico). Além disso, os serviços também estão crescentemente embutidos, ou seja, fornecidos mediante ou adicionados a produtos manufaturados. Servem de ilustração os aplicativos para dispositivos móveis e soluções de software para fábricas “inteligentes”. Hallward-Driemeier e Nayyar concluem (p.162):

“Embora uma gama de serviços “autônomos” e alguns serviços embutidos possa oferecer oportunidades de crescimento sem um núcleo de fabricação, a servicificação do setor manufatureiro ressalta a crescente interdependência entre os dois setores. Dada essa profunda interdependência, as políticas que melhoram a produtividade em diferentes partes da cadeia de valor resultarão no todo ser maior do que a soma de suas partes. A agenda, portanto, deve ser a de países se prepararem para usar sinergias em todos os setores de modo a participar de toda a cadeia de valor de um produto, além de explorar oportunidades individuais para além da produção manufatureira.”

Em suma, os desafios para alcançar simultaneamente o emprego de trabalhadores não qualificados e aumentos substanciais de produtividade estão se tornando mais altos. Além disso, os fatores horizontais de produtividade e competitividade – incluindo a acumulação local de capacidades, baixos custos de transação, melhoria da infraestrutura, etc. – que foram cruciais em todas as experiências de desenvolvimento industrial amplo e profundo estão agora estendidos aos serviços. Há mais complementaridade do que a substitutibilidade entre fatores de produtividade e competitividade que afetam as manufaturas e os serviços. Não há alternativa senão melhorar o suporte horizontal na economia local se um país em desenvolvimento quiser desfrutar de qualquer um destes como motores de crescimento.

Publicado originalmente em Economia de Servicos 

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