O que Moro e Dilma têm em comum: A conferência nos EUA que tentou ‘despolarizar’ o Brasil

 

O que Moro e Dilma têm em comum: A conferência nos EUA que tentou ‘despolarizar’ o Brasil

Dilma e MoroDireito de imagemROBERTO STUCKERT FILHO/PR E AFP
Image captionDilma Rousseff e Sergio Moro participaram da Brazil Conference, organizada por alunos de Harvard e MIT

No último final de semana, foi realizada nas Universidades de Harvard e MIT (Cambridge/EUA) a terceira edição da Brazil Conference, um evento organizado pelos alunos brasileiros dessas duas universidades com o objetivo de debater os desafios do Brasil, sua agenda nacional prioritária e o compartilhamento de ideias inovadoras para soluções conjuntas e sustentáveis.

Impossível não notar o contraste entre a luz acesa em Massachusetts e a fumaça vinda das cinzas de Brasília. E o mais incrível é que essa chama brilhou pelas chispas do diálogo, elemento ausente no binarismo político brasileiro dos últimos anos.

Foi uma aula de civilidade e diversidade. Brasileiros representativos de diversos setores da política, da academia, do mainstream e das ruas, compartilharam o mesmo palco, discutindo temas importantes e buscando soluções.

O que Douglas Belchior e Luciano Huck têm em comum? No mínimo a disposição de dividir o mesmo espaço para expor ideias diametralmente opostas. O que não dizer então de Dilma Rousseff e Sergio Moro? Sim, “Sergio” apenas, sem o “juiz”, porque assim ele foi chamado durante toda a informal e bem-humorada entrevista feita pelo também juiz e aluno de Harvard Erik Navarro.

Marina Silva, Fernando Haddad e Eduardo Suplicy deram cada um o seu recado. O ex-senador, porém, compôs uma inusitada mesa com o filósofo de direita Olavo de Carvalho. Juntos, debateram políticas sociais com respeito e intensidade, para delírio dos presentes.

Olavo de Carvalho e Eduardo SuplicyDireito de imagemLPINFOCUS
Image captionOlavo de Carvalho e Eduardo Suplicy durante evento em Harvard, nos EUA

Novas figuras do cenário político também marcaram presença, sempre dialogando e despolarizando. Marcelo Freixo e Luciana Boiteux dividiram esse democrático espaço com João Dionísio e ACM Neto.

Em painel mediado pela aluna de Harvard Isabela Ferrari, Gilmar Mendes falou sobre o caos do nosso sistema carcerário e colocou o dedo na ferida, criticando inclusive o Supremo Tribunal Federal. No mesmo painel estavam Rafael Barbosa, defensor público geral do Amazonas, que luta pelos direitos dos presos em meio às terríveis rebeliões lá acontecidas, e Rafael Custódio, da ONG Conectas direitos humanos.

Pouco depois, em um dos painéis mais concorridos, Luiz Roberto Barroso, outro ministro do STF, refletia sobre o chamado “jeitinho brasileiro”, ao lado de Michael Sandel, professor de Harvard, e talvez hoje o filósofo mais famoso do mundo.

Um dos pontos altos do evento foi o show de encerramento da primeira noite, com Gilberto Gil e Yamandu Costa. Juntos, eles arrancaram lágrimas da plateia, e fizeram personalidades como Nizan Guanaes, Kaká, Oscar Metsavath, Wagner Moura e Maurício Minas (VP do Bradesco) sentarem no chão, transformando o salão em uma espécie de Woodstock verde e amarela. Uma aldeia de paz, criada apenas dois dias antes da vulcânica erupção dos vídeos das delações da operação Lava Jato.

Houve muita preocupação com diversidade e inclusão social. Praticamente metade dos mais de 100 palestrantes eram mulheres e todos os seguimentos sociais estavam bem representados.

A ativista Dijamila Ribeiro debateu o tema da inclusão com Isadora Cerullo, jogadora profissional de rúgbi. Douglas Belchior (Uneafro) e o ex-secretário de segurança do Rio de Janeiro, José Maria Beltrame, discutiram lado a lado as causas da violência urbana, em painel mediado por Pedro Hartung (instituto Alana), que contou ainda com a presença do ator Wagner Moura.

O tema da corrupção não poderia ficar de lado. A incumbência ficou por conta de um painel quente, formado por Deltan Dallagnol (o procurador líder da operação Lava Jato), Doris Coutinho (Tribunal de Contas do Tocantins) e Luana Vargas, procuradora da república e aluna de Harvard.

Gilmar MendesDireito de imagemPEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO
Image captionGilmar Mendes falou sobre o sistema carcerário

Dallagnol ressaltou a necessidade de uma adequada reforma política como medida principal para evitar que o sistema volte a corromper-se no futuro.

O empreendedorismo também se fez presente, bem como o empresariado brasileiro já consagrado. Economistas importantes como Otaviano Canuto e Armínio Fraga rivalizaram com o frescor de Aurea Carolina (PSOL) e Flávio Augusto (Orlando City).

Novas iniciativas foram estimuladas através da competição Hackbrazil, na qual jovens de todo o país concorreram com projetos inventivos, nas áreas de ciência e tecnologia. Um dos vencedores foi uma “chupeta eletrônica”, capaz de medir a temperatura do bebê e antecipar a necessidade de tratamento da febre e desidratação, duas importantes causas de mortalidade infantil no Brasil.

O outro era um programa avançado de bigdata, que cruza informações de diversos órgãos públicos, auxiliando a fiscalização e o combate à corrupção. Os vencedores, anunciados por Luciano Huck, puderam trocar ideias com professores de Harvard e MIT e contatar investidores-anjo para financiar seus projetos. Receberam ainda um prêmio em dinheiro.

O final não poderia ser mais simbólico. Após convidar ao palco Jorge Paulo Lemann, e o diretor da Harvard Business School, o indiano Nitin Nohria, a aluna de Harvard Larissa Maranhão anunciou de surpresa a entrada do megainvestidor Warren Buffett. Nem a plateia, nem o próprio Lemann acreditaram.

Depois vieram rápidos discursos de encerramento, feitos pelos alunos que presidiram a conferência. Foram recados emocionantes, que impressionaram pela força e pela consciência da responsabilidade de ser um jovem brasileiro preparado para mudar o país.

Mas foram as palavras de Taciana Pereira que arrancaram as derradeiras lágrimas da plateia, incluídos aí os olhos normalmente austeros de Sergio Moro.

O sonho de Taci, como ela é conhecida em Harvard, é ressignificar a expressão “tinha que ser brasileiro”, usada por vezes de forma pejorativa para qualificar o comportamento do brasileiro no exterior. Ela espera colaborar com o desenvolvimento da pesquisa no Brasil para que um dia possamos ganhar um Prêmio Nobel e que, nesse dia, o mundo inteiro diga com admiração: tinha que ser brasileiro.

*Organizadores da Brazil Conference em Massachusetts (EUA)