Nuvens carregadas no horizonte

 

VEJA 18 maio 2019

Previsões para o PIB em 2019 pioram, enquanto resta ao governo pouco a fazer para reverter o mau humor de um país à espera da reforma da Previdência 

Por Hugo Vidotto

O brasileiro anda mal-humorado. Nas ruas, nos bares, nos salões de cabeleireiro e nos churrascos entre amigos, o azedume toma conta das conversas, e a culpa normalmente recai, embora de maneiras diferentes a depender das preferências dos envolvidos, na política nacional. As redes sociais deixam isso ainda mais claro. Mas há uma razão subjacente para essa irascibilidade toda: a economia. Ou melhor, o mau estado da economia. Há uma sensação geral de falta de perspectiva. Na quarta-­feira 15, esse sentimento difuso ganhou números concretos: o ano começou fraco e pode terminar com mais um crescimento medíocre. O Banco Central divulgou o Índice de Atividade Econômica, tido como uma prévia do desempenho do PIB no primeiro trimestre, que mostrou uma contração de 0,68%. Dias antes, investidores e economistas consultados pelo Banco Central haviam rebaixado mais uma vez — a 11ª em se­quência — a estimativa do PIB anual para 1,45%. O governo, que começou o ano prometendo um crescimento parrudo, de 2,7%, já indicou que trabalha nessa nova base, mas pesos-pesados da economia são ainda mais pessimistas. O Bradesco reviu para modesto 1,1% sua previsão para a expansão do PIB, e o Itaú cravou 1%. Empresários têm demonstrado queda na confiança para os próximos meses. A maior baixa está no comércio, seguido pelo setor de serviços e, então, pela indústria — já em alerta desde o ano passado.

Nenhum desses setores reagiu bem ao início do ano. A produção industrial contraiu-se 2,2% no trimestre — no setor de serviços, a queda foi de 1,7%. No comércio, a alta de 0,3%, leve, ocorreu apenas em março, após dois meses de atividade empacada. Muitos fatores afetam a economia, e boa parte dos números reflete entraves gestados nos últimos anos, como a greve dos caminhoneiros, em 2018, e a tragédia de Brumadinho, neste ano. O desemprego, que já atinge 13,4 milhões de brasileiros, e o endividamento desaquecem o consumo. À incapacidade e, principalmente, ao receio de gastar, por parte dos consumidores e dos empresários, soma-se a difícil situação fiscal do governo. São fatores mais ou menos recentes, que contribuem com uma conta mais complexa, de raízes históricas. “O que pode pôr a economia brasileira no rumo de uma forma mais robusta é vencer o desafio da produtividade”, diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Após crescer 4,2% ao ano entre 1950 e 1980, em média, a produtividade despencou para 0,6% anuais nos trinta anos seguintes. De 2016 para cá, estagnou.

Nesse ponto, o governo vem tentando avançar. Para atacar os problemas da infraestrutura, 59 projetos receberam aval para entrar nos programas de concessões ou privatizações, como redes de transmissão, portos e estradas. Pelas contas do governo, esse pacote, sozinho, pode atrair 1,6 trilhão de reais em investimentos e baratear a produção e o escoamento do agronegócio e da indústria. A reforma tributária, que deve ser votada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados na próxima semana, é bem-­vinda pelo mercado por seu potencial de atacar custos administrativos e o peso da burocracia, liberando amarras. A proposta vem se somar à Medida Provisória da Liberdade Econômica, que remove a exigência de autorização prévia de funcionamento em atividades consideradas de baixo risco, sem impacto sobre a saúde ou a segurança pública, por exemplo. Esses movimentos, capita­neados pelos ministros Paulo Guedes, da Economia, e Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, são vistos como transformadores para o país. No curto prazo, porém, não têm efeito significativo.

Atitudes mais enérgicas, que poderiam turbinar o consumo ou o investimento com rapidez, estão engessadas pela crise fiscal. O Ministério da Economia acertadamente vem estudando liberar o saque de contas inativas do PIS/Pasep, o que pode levar certo alívio ao consumo, mas ninguém acredita que seria suficiente para mudar o ânimo geral.

A taxa Selic, em sua baixa histórica, de 6,5%, deve seguir sem ajustes pelo menos até a reforma da Previdência passar pelo Senado — embora, para alguns economistas, haja espaço para desvincular corte de juros e aprovação da reforma, o que poderia até antecipar uma redução no segundo semestre. “Há riscos nas duas alternativas”, diz o economista Otaviano Canuto, ex-­diretor executivo do Banco Mundial. “A inflação, porém, segue no lado benigno e o nível da atividade econômica não está no ritmo suficiente para provocar fortes pressões sobre o nível de preços.”

Todos os caminhos, então, direcionam a atenção à reforma da Previdência, cuja real função é evitar um desastre fiscal, mas transformou-se na esperança para incentivar grande parte das decisões de investimento e de consumo. “O investimento não está travado porque o juro é alto no Brasil”, explica Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central. “Está travado porque há incerteza sobre como estará o cenário econômico brasileiro em três a quatro anos.” Empresários interessados em construir uma nova fábrica, adquirir maquinário e ampliar postos de trabalho dependem de confiança. E, mesmo que o governo convença as pessoas de que a economia vai se aquecer, investimentos do setor produtivo podem demorar um pouco. Primeiro, será preciso ocupar a capacidade ociosa, que na indústria foi de 25,5% em abril e em serviços, de 18,3%.

São números de alerta que, ao mesmo tempo, indicam certa prontidão da economia para a retomada. Ajudaria muito se o governo não fomentasse a incerteza. A baixa confiança também é resultado da falta de articulação para apoiar a reforma da Previdência e deslanchar outras medidas fundamentais. Há, ainda, as crises, às vezes nascidas de intrigas entre o presidente Jair Bolsonaro, seus aliados próximos e filhos. O cenário global já tem trazido inquietações suficientes para ocupar o mercado: a guerra comercial entre Estados Unidos e China, que inicialmente pode beneficiar as exportações brasileiras, acena com um risco grave de contração da atividade econômica mundial.

Com tantas nuvens no horizonte, convém não desdenhar do clima. Empresários não enxergam apenas números, como lembra Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-­presidente do BNDES. Eles obedecem a um espírito animal, como o economista John Maynard Keynes definiu o impulso que leva empreendedores a, num sinal de confiança, investir. “Para sair de uma posição defensiva para a ofensiva, o empresário olha a circunstância toda”, diz Mendonça de Barros. “Não se explica essa queda brutal de expectativa de PIB para este ano a não ser por essa perda do elã dos agentes econômicos, incluindo o consumidor.” Tudo de que o brasileiro precisa é um raio de sol para trazer esperança.