América Latina de volta ao crescimento medíocre após choques?

 

Poder 360 – 22 de outubro de 2022

A pandemia atingiu duramente a América Latina e a recuperação econômica foi mais lenta do que em outras regiões do mundo. Além de um legado de maior endividamento público, a pandemia deixou cicatrizes no mercado de trabalho e na acumulação de capital humano dos futuros trabalhadores.

A crise do COVID-19 recuou na América Latina, mas deixou um pedágio significativo. As mortes reportadas como da pandemia estão atualmente baixas e convergiram para níveis globais. A média de excessos de mortalidade durante a pandemia esteve entre as mais altas do mundo: o dobro da média global e perdendo apenas para a Europa Central e a Ásia Central, segundo relatório desse mês do Banco Mundial. As baixas taxas de vacinação em alguns países os deixam ainda vulneráveis ​​a novas variantes.

Na maioria dos países da região, o PIB e o emprego já voltaram aos níveis de 2019, prévios à pandemia. Por outro lado, como coloca o relatório do Banco Mundial mencionado acima, as taxas de crescimento projetadas para os próximos anos podem ser classificadas como “resistentes na mediocridade”. Não se prevê que o crescimento económico ultrapasse os níveis baixos da década de 2010.

A recuperação econômica pós-pandemia levou a uma redução da pobreza acrescida em 2020-21. Mas nem as perdas permanentes de produto interno bruto (PIB) durante a pandemia serão recuperadas, nem as cicatrizes de longo prazo em termos de educação, saúde e desigualdade futura foram eliminadas.

A invasão russa e a guerra na Ucrânia tiveram também um impacto econômico na região, principalmente por meio do choque de preços das commodities e consequentes aumentos das taxas domésticas de inflação. Enquanto os exportadores (importadores) de commodities tiveram efeitos positivos (negativos) em seus PIBs, via termos de troca, todos eles tiveram que enfrentar níveis mais altos de inflação, com os preços de alimentos e energia afetando particularmente a parte de baixo da pirâmide de renda, dado o peso desses itens em sua cesta de consumo.

As taxas de crescimento projetadas para a região neste ano aumentaram sistematicamente desde janeiro – em contraste com os rebaixamentos para o resto do mundo por causa da guerra na Ucrânia. Os PIBs dos importadores líquidos de alimentos e combustíveis, como o Caribe e os países da América Central, foram afetados negativamente. O aumento dos preços desses bens também afetou as famílias em toda a região. Por outro lado, o aumento geral dos preços das commodities foi uma bênção para os exportadores regionais como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Peru.

Para commodities como um grupo, 2022 tem sido um ano muito volátil. Depois de subir dramaticamente no primeiro semestre, por conta dos choques já mencionados, os preços recuaram no terceiro trimestre, como reflexo da desaceleração do crescimento da China e da valorização do dólar norte-americano. O choque de oferta decorrente da guerra na Ucrânia foi seguido por um choque de demanda em declínio.

Segundo relatório do FMI divulgado na semana passada, os ventos favoráveis ​​provenientes dos preços das commodities devem mudar de rumo. No caso dos preços do petróleo, os mercados futuros apontam para uma queda nos próximos anos, após subirem 41% em 2022. A invasão da Ucrânia pela Rússia elevou os preços dos metais básicos, mas espera-se que terminem 2022 em níveis 5,5% mais baixos na média e que diminuam mais 12,0% em 2023. O relatório do FMI prevê que os preços dos metais preciosos caiam mais moderadamente: 0,9% em 2022 e mais 0,6% em 2023.

Os preços das commodities alimentares, que também subiram após a invasão da Ucrânia pela Rússia, caíram para os níveis pré-guerra em meados deste ano, encerrando um rali de dois anos. Não antes de adicionar 5 pontos percentuais à inflação dos preços dos alimentos na média dos países em 2021, além de uma estimativa de 6 pontos percentuais em 2022 e 2 pontos percentuais em 2023.

Os efeitos assimétricos dos preços mais altos das commodities sobre a população da região, prejudicando principalmente o poder de compra da base da pirâmide, têm sido – em diferentes graus – acompanhados por políticas sociais de transferências e outros tipos de apoio. A ausência de espaço fiscal prontamente disponível para tal uso tem sido uma restrição.

A maior frequência e cobertura de eventos climáticos adversos, provavelmente já refletindo as mudanças climáticas, também têm se constituído em outra fonte de choques de preços de alimentos e energia. Nos últimos anos, inundações e secas mais frequentes afetaram o fornecimento de alimentos e energia na China, Índia, Europa, EUA, África e na própria América Latina. As mudanças climáticas, uma praga (pandemia), a guerra e os riscos de fome constituíram uma “tempestade perfeita”.

Para além dos efeitos desses três choques citados, um quarto veio com o aperto das condições financeiras globais. A alta inflação global – após os choques anteriores – tem sido enfrentada com políticas monetárias mais restritivas pelos bancos centrais nas economias avançadas.

A dinâmica de crescimento surpreendeu positivamente na maior parte da região, favorecida pelo retorno dos setores de serviços e emprego aos níveis pré-pandemia, bem como as condições externas que se mantiveram favoráveis ​​até recentemente – incluindo preços ainda elevados de commodities, demanda externa ainda forte e remessas por imigrantes, além do retorno do turismo. Esses foram os fatores explicativos por trás das revisões em alta das projeções de crescimento para este ano de janeiro para cá.

Mas o aperto das condições financeiras globais está pressionando na direção oposta agora. A disponibilidade e os custos das finanças domésticas tornaram-se menos amigáveis ​​à medida que os principais bancos centrais da região aumentaram suas taxas de juros para controlar a inflação doméstica. Os ingressos de capital diminuíram e os custos de empréstimos externos aumentaram, devido ao menor apetite por risco por parte dos investidores.

A região está, em geral, mais resiliente a um choque monetário-financeiro como este em curso do que em épocas anteriores. Os sistemas bancários estão saudáveis ​​e os balanços públicos não estão em geral tão frágeis como em outros momentos do passado. O colchão em termos de reservas cambiais também faz diferença em vários casos.

A dívida corporativa fora do sistema bancário é, no entanto, um ponto que merece atenção. Taxas de juros domésticas mais altas também endurecerão as condições para a rolagem da dívida pública.

Após as surpresas para cima no do crescimento do PIB em 2022, o desempenho esperado para o próximo ano é mais fraco. Enquanto o FMI e o Banco Mundial, respectivamente, esperam que a taxa média de crescimento do PIB atinja 3,5% e 3% em 2022, suas previsões descem para 1,7% e 1,6% em 2023. Para o Brasil, o FMI e o Banco Mundial projetam, respectivamente, 2,8% e 2,5% neste ano e 1% e 0,8% no ano que vem, abaixo da média regional.

A recuperação da América Latina depois da tempestade perfeita não deveria se limitar a um simples retorno aos níveis “medíocres” de crescimento do produto de antes da pandemia. Investimentos em infraestrutura verde, exploração de áreas de conectividade digital abertas com a pandemia, assim como uma melhora nos ambientes de negócios e na educação podem levar à inflexão rumo a padrões de crescimento mais resilientes, inclusivos e dinâmicos.

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University, professor afiliado na Universidade Politécnica Mohamed VI e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp

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